31 March 2010

Serralves, os trabalhadores ilegais e a falta de integridade

Eu compreendo bem o espírito de entreajuda, compreensão e apoio que se gera entrem amigos ou mesmo conhecidos face a uma situação que se considera de injustiça. Se calhar este meu pequeno desabafo surge exactamente desse mesmo sentimento.

Serralves anda na boca do mundo (e para quem não está a par deixo aqui este link). E eu, como ex funcionaria e vívida seguidora da noticia em questão sinto que devo, posso e quero opinar.
O cenário é até muito simples. Desde sempre - antes, durante e depois de eu lá trabalhar - a fundação de Serralves tinha uma forma muito simples de operar no que dizia respeito aos seus trabalhadores, contratava-os ilegalmente a recibos verdes. Sendo trabalhadores com horários fixos e com postos de trabalho fixos e afins e afins, tinha mais é de ter um contracto - mesmo que este fosse apenas a part-time - e acabou. Acho que neste ponto ninguém discorda. Mas os contractos implicam custos, segurança social, seguros, subsídios de férias e de natal e isso é chato. Mesmo quando se é subsidiado pelo estado.

Num acesso de... profissionalismo, medo ou responsabilidade social, a fundação de Serralves pôs a mão na consciência - ou alguém pôs por ela - e decidiram que era tempo de legalizar as pessoas. E aqui eu digo, antes tarde que nunca.
Após tomarem esse decisão, tomaram outra igualmente importante, a de não ficar com a responsabilidade das pessoas que iriam desempenhar esse emprego mas sim, delegar uma empresa que o fizesse por eles. Para evitar passar a responsabilidade para alguém que não conhecia o trabalho acharam interessante colocar esse desafio às pessoas que estavam presentemente a fazer essa função, dando-lhe a oportunidade de criar uma empresa ao mesmo tempo que criavam condições de trabalho legais para si e para os colegas que com eles partilhavam funções.

E agora vem a parte em que o pessoal entra em discórdia: se viessem ter comigo - na altura em que eu era funcionaria ilegal da fundação - e me dissessem que um dos meus colegas com mais anos de casa ia criar uma empresa para me legalizar e me dessem um contracto em que eu de facto ia ganhar menos ao fim do mês mas ia ter as minhas folgas, o meu subsidio de almoço, a minha hora de almoço (que era coisa que também não existia!), que se me caísse a merda da pá em cima que me pagavam despesas médicas e indemnizações, eu acho que não vinham para os jornais dizer que tinha sido "intimada a criar uma empresa senão vinha para o olho da rua" (como o bloco de esquerda tão fervorosamente defende na sua carta aberta à fundação).

A questão é, o país está a passar uma fase de merda, arranjar emprego é o que é, vocês andavam com uma mama do caralho a ganhar 4 € à hora (sim, já ninguém paga a ninguém 4€ à hora para vender bilhetes a meninos! Não é Senhor Belmiro?) e agora não querem passar a legais porque os encargos que isso tem para a entidade empregadora faz com que o vosso salário baixe... quê, 10%? Buhu!

Gente, acordem para a vida!Para começar o erro foi vosso em aceitar trabalhar ilegalmente a recibos verdes (sim, eu também me meti nessa). Depois, eu conheço o contracto, não é minimamente abusador ou precário (e eu sei porque ando no mercado da procura do trabalho e eu já aqui falei de propostas que tive, essas sim, abusadoras). E vamos ser honestos, se calhava de algum de vocês levar com um serviço de chá do Siza Vieira em cima e ficar com a cara toda desfigurada neste momento estavam nos jornais a dizer que eram trabalhadores ilegais, que não tinham seguro e que eram uns coitadinhos e deviam eram legalizar o pessoal e fazer contractos!

Vamos ser adultos e olhar para isto como pessoas civilizadas e integras! "Ah, porque a recibos verdes estava ilegal mas fazia mais dinheiro". Oh amigo, se não te faz confusão ser ilegal só para ganhar mais dinheiro tenho duas opções para ti: droga e prostituição.

1 comment:

Tia Maria said...

Eu trabalhei 7 anos a recibos verdes como formador. Realmente, dava a sensação de que ganhava mais, mas como não tinha subsidio de refeição, subsidio de féria, subsidio de natal, as despesas de deslocação eram por minha conta, eu eu trabalhava em vários sítios bastante distanciados uns dos outros por dia e por semana, mais a segurança social e o IRS, e o facto de nem sempre ter trabalho e por ai fora, ao fim do mês, o dinheiro não era assim muito.

Vim para a Holanda há 3 anos, trabalho como Software Engineer, eu estudei engenharia informática em Portugal, tenho um contracto de 3 anos, ganho 60€ á hora, tenho um carro da empresa que uso para ir passear até á Alemanha ao fim-de-semana, portátil da empresa que trago para casa, telemóvel da empresa, ginásio pago, refeitório com comidinha bem boa, sala de jogos para quando estou stressado, um ambiente de trabalho altamente descontraído que até me permite ir de calções trabalhar no Verão, fruta fresca espalhada por toda a empresa, gelados todas as semanas no Verão e por aí fora.

Sinto-me no paraíso, mas ler posts destes traz-me de volta á realidade de um país que de democrático pouco tem e pessoas que são realmente muito ingénuas.

Sabe porque é que aceitei trabalhar a recibos verdes?
Porque tinha uma renda de casa para pagar, porque tinha que comer e porque não arranjava mais nada.

Eu espero que você nunca tenha que ir pedir dinheiro emprestado aos seus pais para pagar a renda da casa ou ter que ir jantar a casa deles todos os dias porque o dinheiro não dava para mais.

Cumprimentos da terra das tulipas