13 August 2008

Sonhos do passado

Há alturas em que fico com o sono mais agitado. Deixo de conseguir dormir descansada e muitas vezes não chego a perceber o que o causa. E depois sonho, coisas estranhas e esquisitas. E muitas vezes, nestas alturas, sonho com um grupo de amigas que tinha "quando era nova". Não me lembro ao certo quando nos começamos a dar de forma especial mas lembro-me que, mesmo sendo naquelas alturas da nossa vida em que as pessoas andam aos grupinhos, o nosso parecia diferente, mais sólido. Eramos 4. Eu, a Patricia, a Vera e a Ana. Faziamos tudo juntas, como manda a lei. Dormiamos em casa umas das outras, trabalhos, estudos, cinemas e gelados. Trocavamos cartas, papeis e sonhos. Quando uma se apaixonava, apaixonavam-se todas. E vinham mais segredinhos e sorrisinhos. Bons tempos.
Lembro-me vagamente de como as coisas mudaram. Talvez porque nunca fui de guardar mágoas e tristezas toda essa época é uma névoa na minha cabeça. Mas hoje acordei a pensar nisso, por causa dos sonhos. Quando somos "novos" não paramos para pensar no que nos rodeia. Quando somos "novos" não somos capazes de introspecção. Ou, eu não era. Hoje apercebo-me da falta de comunicação daqueles dias. Não sabiamos falar sobre as coisas que nos magoavam.
Tudo começou quando chegou o 12º ano. O entrar na faculdade, as notas. Toda a gente sabia o que queria e sabia o que era preciso fazer. Menos eu. Eu continuei com tudo como tinha continuado até ali. A Patricia e a Ana sairam para um daqueles colégios que eram mestres em por os alunos a ter boas notas. Não me lembro do nome. A Ana queria ser médica e a Vera falava em ir para Londres. Hoje apercebo-me do que me quebrou. Toda a gente ia, e eu ia ficar. Era a primeira vez que era deliberadamente deixada. Não soube lidar com isso. As coisas quebraram. A Vera deixou de me falar, a Patricia e a Ana deixaram de aparecer. E houve um dia em que não as voltei a ver.
Hoje, quando já passaram 7 anos desse dia, continuo sem as ver. Cruzei-me uma ou duas vezes com a Ana mas fizemos aquilo que é socialmente incorrecto, e mais fácil, cada uma fez de conta que não viu a outra e as nossas vidas seguiram, imutáveis. Há dias em que esta situação me entristece mais do que outros. Mas falta a força para quebrar 7 anos de silêncio. Há páginas da nossa vida que depois de anos pousadas, custam a levantar por causa da quantidade de pó que têm. A realidade é que eu sou o que sou mas não sei o que cada uma delas é. Não sei se estão juntas, não sei se estão bem. De muito em muito tempo ouço falar da Patricia, quando a minha mãe se cruza com a dela. É talvez a pessoas que me custa mais ter perdido. Vou ter pena de não poder ter 30 e alguns anos e dizer ao meu filho, no primeiro dia de escola:
- Foi com a tua idade que conheci a Patricia, aquela amiga da mama! Tinhamos uma ritual, moravamos perto e todas as sextas à tarde ou eu ia para casa dela ou ela para a minha e brincavamos a tarde toda! A mama queria sempre ficar com o cavalo da Barbie e a Patricia ficava triste com a forma egoista como eu brincava. Foi com ela que aprendi a partilhar.
A Vera era a mais meiguinha do grupo. Acho que era por isso que toda a gente tinha uma ligação especial com ela. Ela mimava-nos quando estavamos em baixo. Dava-nos beijinhos e segurava na nossa mão. Sonhava conosco os sonhos mais altos. E caía conosco quando esses sonhos morriam.
A Ana era a boneca do grupo. Acho que por causa da combinação rara de beleza e inteligencia tornava-se intimidadora. Sempre segura do que queria e do seu lugar no mundo. Firme. Era responsável por nos trazer à realidade.

Se eu soubesse que o destino foi meigo com elas talvez tivesse a coragem que era preciso para arriscar ser recebida com três pedras na mão. Será que ainda alguma delas se lembra do que se passou...?

1 comment:

nando said...

Each day is an opportunity... :)