27 October 2009

O passar do tempo na nossa vida é como um vento forte sobre a areia. Como a água do mar sobre as rochas. Suaviza-lhe as feições, os vincos. Atenua os altos e baixos. Às vezes esquecemos as coisas que nos fazem vibrar, que nos despertam paixão. A distância leva-as, o tempo mantém-nas longe. O mundo gira e gira. Perdemo-nos no seu movimento diário, sol acima, sol abaixo, sol acima, sol abaixo. Falta-nos o tempo para parar. E com o tempo o sentimento que nos compelia a parar, suaviza, esquece.

Esta semana parei. Parei o mundo na minha mão numa travagem suave. Demorou dois dias. Dois dias e umas quantas horas mas ele lá parou. Respirei fundo como que a sorver todas as coisas que tinham passado por mim despercebidas desde a sua última paragem. Tentei trazer a mim, de novo, todos os sentimentos que tinha vindo a atenuar. Trazer de volta tudo o que era realmente importante. Foi com relutância que te recebi. Foi talvez por ser de noite, foi talvez por estar frio, foi talvez por não ter a tua companhia fazia já tanto tempo. Ou foi a tua ausência que não notei? O tempo cria hábitos, hábitos que aceitamos porque não há tempo para mais. Nunca há tempo. Mas esta semana havia.

Não sei se te recebi de braços abertos, acho que não. Acho que, com o meu mundo parado, não te reconheci. Não reconheci o teu toque, nem a tua presença. Foi só quando saíste do banho que te reconheci o cheiro. Foi só depois de te reconhecer o cheiro que te reconheci o sorriso e a paz. Ninguém tem essa paz. Mais ninguém. Nessa noite reconheci-te também o abraço e a meiguice. Relembrei o teu beijo e a tua sensibilidade de menino doce.

Quando o sol voltou a nascer [não sei eu ainda como foi que o sol nasceu nesse dia uma vez que o meu mundo continuava parado naquele pequeno lugar mágico… agora que penso, talvez tenhas sido tu a traze-lo contigo, talvez numa pequena mala ou mesmo no bolso. Tudo em ti tem o tamanho do mundo] tudo tinha magicamente voltado a mim. Tudo aquilo que tinha perdido desde a ultima vez que o meu mundo tinha parado. Nessa manhã, enquanto me abraçaste [e amassaste] apaixonei-me por ti mais um bocadinho. Apaixonei-me por nós. Pela nossa magia e pelo nosso encaixe único. Outra vez.

Hoje o meu mundo já arrancou de novo. Gira agora mais devagar, ainda devagar. Sei que não tardará a ganhar velocidade. Sei que em breve o tempo suavizará de novo os sentimentos e trará de novo os hábitos, mas enquanto esses dias não voltam e enquanto o tempo me permite aproveito para deixar nestas linhas as memórias de um dia em que o meu mundo parou o meu amor por ti brilhou de novo tranquilo dentro de mim.
Ando a ler um livro, um lugar chamado aqui, que comprei quando entrei de férias para quebrar com a rotina do meu dia a dia. (Spoiler Alert) A protagonista da história parece, de alguma forma, ir ter ao lugar onde vão ter todas as coisas que desaparecem (ao estilo do nada se perde, nada se cria, tudo se trasforma... ou trasporta, neste caso). Ontem cheguei à parte do livro em que ela se apercebe que não são apenas as coisas que desaparecem. A esse local chegam também os cheiros e sons que as pessoas perdem, ou esquecem.

Na sequência desta passagem dei comigo numa conversa estranhamente filosófica. Se pudessemos nós ir ao local onde estão todas as coisas e memórias que perdemos o que gostariamos de reencontar? Um berlinde que perdemos? Uma musica que esquecemos? O cheiro a jasmim no jardim da casa dos nossos avos? O sabor das amoras silvestres que esmagavamos numa taça com açúcar? A expressão na cara dos nossos pais quando nascemos ou demos os primeiros passos?

Seria, sem dúvida, um mundo fantástico de visitar...

26 October 2009




14 October 2009

Há alturas em que a vida nos surpreende com revelações fenomenais. Como pequenas peças de um puzzle que parece começar a encaixar na nossa cabeça lentamente ao sabor de uma corrente que nos guia.
Lembro-me ainda de como era olhar para cima para aquelas duas pessoas que um dia tinha decidido ter-me e criar-me com o amor típico que une uma criança aos seus pais. Lembro-me de como tinham as respostas a todas as perguntas do mundo. Lembro-me da sua força gigante, sobre-humana, com que me protegiam de todos os males e medos. E mantinham sempre neles toda a calma e paciência do mundo.
Hoje, de alguma forma, o mundo abre-se. Como uma ostra que cai de uma altura um pouco acima dos seus limites e deixa sair, contra a sua vontade, a pérola que tão cuidadosamente protegia. E num segundo, crack. O céu abre-se numa luz estranhamente forte. E tão repentinamente consigo finalmente perceber que o caminho daquelas duas pessoas é tão exactamente igual ao meu. Num segundo tenho a percepção de como nenhum deles tem resposta para nenhuma das minhas questões. Nunca tiveram. Nesse mesmo segundo vejo como a vida deles é, como a minha, tão cheia de duvidas e questões. Todos os dias. A cada passo.
Apenas duas coisas nos separam, agora. Todo o caminho que eles já percorreram, com erros e com sortes. Com alegrias e falhas. E as vidas pelas quais são responsáveis.
Hoje, acima de todos os dias antes deste, o mundo mostrou-me que o meu desespero não é a mim que mais custa, é àqueles que se sentem responsáveis por me tirar dele...